Tendo como objetivo a diminuição do número de partidos, a Emenda Constitucional nº 97/2017, consagrou, entre outras medidas, o fim das coligações em eleições proporcionais e a cláusula de desempenho (mais conhecida como cláusula de barreira). A primeira dessas medidas, bem como seus possíveis efeitos sobre o sistema partidário, foi tratada em texto anterior neste espaço. Neste artigo, tratamos da segunda medida mencionada acima.
A cláusula de desempenho ou de barreira entrou em vigor nas eleições de 2018. O princípio geral é que partidos que não obtiverem um mínimo de votação em cada eleição perdem acesso, nos pleitos seguintes, aos recursos públicos oriundos do Fundo Partidário (FP) e do Horário Gratuito Político-Eleitoral (HGPE). Em 2018, o patamar mínimo de votação exigido dos partidos, nas eleições para a Câmara dos Deputados, foi de 1,5% dos votos válidos distribuídos em, no mínimo, nove estados, sendo ao menos 1% dos votos válidos distribuídos em cada um desses estados. O percentual de votos válidos necessários irá aumentar para 2% nas eleições de 2022; 2,5%, em 2026; 3%, em 2030; sempre considerando o pleito para a Câmara dos Deputados.
Mas o que a cláusula de desempenho significa em termos práticos?
Na prática, a cláusula de desempenho não impede que os partidos se apresentem eleitoralmente nos pleitos seguintes, tampouco os exclui da representação parlamentar, como no caso alemão, por exemplo. No entanto, a medida possui efeitos em ao menos dois âmbitos: (1) no nível das organizações partidárias, proíbe o acesso a recursos fundamentais para a sobrevivência das legendas (FP e HGPE); (2) como consequência, há uma tendência à extinção ou à fusão entre os partidos que não cumprirem a cláusula de desempenho, diminuindo assim o número de legendas relevantes no sistema político.
- Auxílio Brasil: vetos presidenciais e a construção das regras para a operacionalização dos benefícios
- O novo programa Auxílio Brasil: política de proteção social ou moeda de troca eleitoreira?
- |Destaque| Eleições chilenas em 2021: a vitória da anti-política?
- Social-democracia de volta? As eleições alemãs de 21
- Por que o lobby ainda não foi regulamentado no Brasil
O FP é o principal recurso para o funcionamento das legendas. Para se ter uma ideia do tamanho da importância deste recurso para os partidos brasileiros, nos gráficos abaixo apresentamos dados sobre a dependência deles perante essa fonte de recursos. Os valores foram calculados a partir das prestações de contas oficiais das organizações e dão conta do período de 2007 a 2017. Em média 76% do orçamento dos partidos, quando vistos no agregado, provinham do dinheiro transferido do Orçamento Federal através do fundo partidário. Até 2015, quando as doações empresariais ainda eram permitidas, a fonte de recursos oriunda das pessoas jurídicas também era proporcionalmente relevante, principalmente nos maiores partidos e em anos eleitorais.
Gráfico 1: Percentual de dependência dos partidos sobre quatro fontes de recursos: Filiados, Pessoas Jurídicas, Pessoas Físicas e FP

Quando observamos os dados desagregados por partido, a situação fica mais clara: dos 35 partidos brasileiros que tinham registro oficial junto ao TSE, 20 dependiam – em seu orçamento – do FP em mais de 76%. Entre os maiores partidos brasileiros, apenas o PSDB e, especialmente, o PT possuem uma diversificação um pouco maior de fontes de receita.
Gráfico 2: Percentual da dependência do FP nos partidos brasileiros (2007-2017)

A partir dos dados apresentados acima, fica evidente a dependência que a grande maioria dos partidos brasileiros possui em relação aos recursos públicos transferidos pelo Estado. Isso sugere que um número crescente de legendas deve enfrentar dificuldades para permanecerem em atividade, como é o caso, por exemplo, das nove que não alcançaram a clausula de desempenho em 2018: DC, Patriota, PCdoB, PHS, PMN, PPL, PRP, PTC e Rede. Alternativas para a sobrevivência dessas organizações passam pela busca de outras formas de financiamento. Nesse sentido, um caminho possível é apontado por um estudo do Movimento Transparência Partidária que mostra que, a cada 10 mil eleitores filiados, apenas 34 realizam alguma contribuição financeira ao partido. Ou seja, há grande potencial para evolução nesse quesito.
Imagem Destaque: Marcos Oliveira/Agência Senado

Tiago Alexandre Leme Barbosa
Cientista Social. Doutorando em Ciência Política na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Pesquisa partidos políticos, elites políticas e mais recentemente, o surgimento de novos partidos na América Latina.

Bruno Marques Schaefer
Cientista Social. Doutorando e mestre em Ciência Política pela UFRGS. Atualmente tem centrado suas investigações sobre financiamento político e eleitoral, a organização interna de partidos políticos no Brasil e América do Sul e processos eleitorais comparados.